domingo, 16 de abril de 2017

Baixa visão? Que é isso?





Quando ainda tinha a vista normal, isso de “baixa visão” passava-me “ao lado”.

Sejamos realistas! Isso é o que também acontece com a maioria das pessoas que nunca passaram pela deficiência visual.

Ou se é cego, ou não se é!

Isso era o que eu pensava há cerca de uns cinco anos atrás.

Sim, em cerca de cinco anos, a minha visão totalmente a 100% deixou de o ser, e então percebi, na minha própria pele, que afinal, a cegueira é apenas a última das inúmeras e diversificadas etapas pelas quais passa um deficiente visual.


E pensam que eu fui uma espécie de “sorteio da sorte”, que me calhou em milhões, enganam-se!

Em Portugal, segundo os dados do censo de 2001, existem 163.569 (cento e sessenta e três mil e quinhentas e sessenta e nove) pessoas com deficiência visual (cegas ou com baixa visão).

Mais precisamente existem pelo menos 30.000 (trinta mil) cegas e 133.000(cento e trinta e três mil) com baixa visão.

Sim, 133.000 pessoas têm baixa visão!

E esses números são do ano de 2001 e só em Portugal.

Sim, a baixa visão é 3 a 4 vezes mais frequente que a cegueira.

Aliás, concluiu-se do referido censo de 2001 que a deficiência visual é a deficiência com maior expressão em Portugal, com mais 20.000 (vinte mil) indivíduos que a deficiência motora.

Porém os números aumentam a cada ano.


Na 3ª Conferência sobre Doenças da Retina e Reabilitação Visual: “O mundo da baixa visão”, realizada em Lisboa a 27 de setembro de 2013, foram expostos novos números:

 A nível mundial são 285 milhões de pessoas que sofrem de deficiência visual. Destas, 39 milhões sofrem de cegueira e 246 milhões têm baixa visão.

O fator idade é importante já que 65 % das pessoas com baixa visão e 82% das pessoas cegas têm mais de 50 anos de idade.


Claro que 80% dos números mundiais em deficiência visual provém de doenças que podem ser prevenidas e tratadas. A hipertensão ocular e o Glaucoma bem como o diabetes são algumas das causas de cegueira que podem ser preventivamente tratadas.

No entanto, alguns casos como o meu (Retinopatia Pigmentar), derivam de doenças hereditárias que neste momento, não têm cura ou tratamento possível. E esta é apenas um “grão de areia” no grande “deserto” da deficiência visual.

Segundo dados do CEBV (Centro Especializado em Baixa Visão), eis os números: dos mais de 163 mil deficientes visuais, estima-se que apenas 15 a 20% são cegos.

Neste universo de “baixa visão”, encontramos uma grande maioria de pessoas, que apesar dos sintomas, acaba por não usar qualquer tipo de apoio…


 A vergonha ou mesmo a falta de esclarecimento acerca da sua deficiência visual, acaba por encaminhar muitas pessoas à cegueira, já que não recorrem aos tratamentos e ajudas técnicas possíveis, piorando o seu estado de saúde, já que muitas das doenças visuais, como já referi acima, ainda podem ser tratáveis.

Muitas pessoas que sofrem de baixa visão têm vergonha de usar bengala, porque ainda vêem alguma coisa e acabam por limitar cada vez mais as suas atividades porque já não as conseguem fazer com a segurança que antes tinham.

Neste ponto, partilho convosco uma situação que vi há alguns anos atrás, numa cidade de Portugal, em que reparei numa senhora idosa que levava consigo um guarda chuva em um dia ensolarado sem qualquer previsão de chuva.

Esta senhora, ao descer do autocarro, tocou os degraus com o guarda-chuva, demonstrando grande dificuldade para identifica-los, enquanto descia. No passeio da rua, ela continuou a usar o guarda-chuva para continuar o seu caminho até a sua casa. Claro que algumas pessoas se puseram a rir daquela situação… No entanto, eu, que já estava a passar por uma deficiência visual, e percebi de imediato que a tal senhora não estava senil ou a fazer “figurinhas tristes” por causa da idade.

Ela, certamente já não via o suficiente, e valia-se do seu guarda-chuva para ver por onde andava. Com vergonha de usar uma bengala, porque ainda via alguma coisa, preferia usar um guarda-chuva que era o seu companheiro inseparável para orienta-la nas suas dificuldades.

Este é um dos casos gritantes, pelos quais me debato, para que a Bengala Verde seja realmente vista como a bengala que identifica os deficientes com baixa visão.


Usar a bengala branca que é associada aos cegos é, por deveras, penalizante para quem ainda não é cego, pois, infelizmente debate-se com a incompreensão do público em geral.

A poucos meses, andava nas redes sociais, um pequeno vídeo de um "suposto" cego com a sua bengala a ver o seu telemóvel.

Este pequeno vídeo foi motivo de chacota nas redes sociais, porque é exactamente isso que acontece, quando pessoas como eu, que ainda vêem um bocadinho, usam uma bengala para manter a sua independência.

O público, em geral, só reconhece a cegueira total como a única patologia a necessitar de bengala.

E, quando vêem pessoas a usar a sua bengala e a fazerem certas atividades, não obtêm qualquer esclarecimento e preferem usar o meio mais rápido de entendimento: fazer piada com o mal dos outros.

Quantas vezes, na rua, tenho de andar a explicar que por causa da minha baixa visão, preciso e necessito de a usar a bengala?

E acham, que as minhas explicações elucidam a maioria das pessoas?

Não! Infelizmente, sou apenas uma andorinha que não conseguirá nunca fazer qualquer "verão" sobre esta questão.

A única maneira é haver cada vez mais pessoas a usar a bengala verde, sem preconceitos, e apesar de todas essas incompreensões.

Só assim, podemos, juntos, fazermo-nos notar e chamar a atenção de todos para a existência da baixa visão.

Esta é a minha opinião, e por isso, criei este blogue para escrever o que se passa comigo...

E se houver mais alguém, com coragem, que também faça o mesmo.

A Bengala Verde, antes de mais, é um direito para mim que necessito dela e, para os outros, é uma chamada de atenção para a minha baixa visão.

Uma das questões que por vezes se coloca, é a questão da bengala ser verde…

Penso que isto é um pouco como as cores dos semáforos. Se cada país tivesse as suas cores, que confusão seria?

A bengala verde, antes de mais, é uma sinalização para os que a vêem… 

Para quem tem baixa visão, se a bengala é azul às riscas, vermelha ou rosa com bolinhas brancas, pouco interessa…

A bengala verde já é usada em vários países (Brasil, Argentina, México,…)  para diferenciar os que a usam por terem baixa visão para que não sejam confundidos com os que são cegos totalmente.

Então, se a BENGALA VERDE já é usada em alguns países para indicar que as pessoas que a usam têm baixa visão, então porque estar a inventar mais?

Quanto mais houver ideias para ser “assim” neste país e ser “assado” em outro país, o único prejudicado com esta mania das diferenças é apenas um: aquele que precisa usar uma bengala porque padece de uma deficiência visual grave, mesmo não sendo cego, pois só assim consegue manter a sua autonomia na vida diária, sem ser alvo de falsas interpretações alheias.

Usar uma Bengala Verde é uma necessidade urgente e uma questão fundamental de saúde pública que precisa ser notada e percebida por todos!

Afinal de contas, assim diz um ditado bem antigo que “o pior cego é aquele que não quer ver”.




Bibliografia:

Dados da bengala verde consultados no site 

AAICA - Associação de Apoio e Informação a Cegos e Amblíopes -http://www.aaica.pt/quemsomos/artigosvisao.php

3ª Conferência sobre Doenças da Retina e Reabilitação Visual – “A baixa visão: apresentação e conceito” - Manuel Oliveira e Carla Costa Lança - Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa - http://hdl.handle.net/10400.21/3517

CEBV – Centro Especializado em Baixa Visão - http://www.cebv.pt/

Fotos da sequência do filme que retrata a pintura do quadro de Gráccio Caetano intitulado  "As minhas aventuras com a bengala verde" (Clique no link para ver o filme). Este quadro esteve exposto em uma exposição de pintura no Centro de Reabilitação em Areosa onde pode ser tocado com outros quadros por pessoas com deficiência visual. Após a exposição, o quadro foi doado ao Centro de Reabilitação de Areosa.