domingo, 7 de maio de 2017

Apesar da baixa visão, continuar a viver, é preciso!



Num desses dias, resolvi acompanhar uma procissão aqui na minha cidade.

Gosto de fotografias, e por isso, aproveitei que estava com a minha máquina fotográfica, e tirei algumas fotos.

Com a bengala verde numa mão e a máquina na outra, tive de fazer um esforço para captar as coisas que iam passando.

Tirar fotografias, para mim, que tenho baixa visão, é uma oportunidade de rever os momentos em pormenor, quando os vejo, com mais calma, em casa.

Quem tem baixa visão, não consegue ver tudo o que se passa com a mesma amplitude dos que não têm deficiência visual.


A baixa visão “mata” por assim dizer, vários pontos e perspetivas da imagem à nossa frente. Por isso, uma procissão ou algo em movimento, que pode até andar devagar para alguns, para quem tem baixa visão, vai parecer rápido demais para captar-se tudo o que por ali aconteceu.

Rever em casa com calma, por vezes, me surpreende.

Então, quando cheguei em casa, pus-me a ver as tais fotos. Como eram de um evento da minha cidade até quis publica-las no meu Facebook.

No entanto, ao ver com mais calma, reparei que em quase todas as minhas fotos, estava lá uma senhora de certa idade, a olhar pasmada para mim…


O seu olhar era de interrogação: 
- Então, como esta que tem bengala de cega, põe-se a tirar fotografias????

Todas as outras pessoas olhavam na direção da procissão, mas a tal senhora olhava para mim, e desculpe-me se estiver enganada, mas certamente, esta senhora estava admirada por ver um "cego" a tirar fotografias. 

Infelizmente, a cegueira é o último patamar da deficiência visual, e que o caminho até a tal cegueira total poderá passar previamente pela baixa visão. 

Para além disso, quem tem baixa visão, usar uma bengala poderá ser a sua única maneira de vencer a sua deficiência visual grave.  

Em vários países do mundo, já foi escolhida a bengala com a cor verde, para diferenciar os que não são completamente cegos e que também necessitam da bengala para manter a sua independência na vida diária.

Claro que antes de postar as fotos no meu Facebook, tive de posta-las sem ter a tal senhora nas fotos, pois, afinal de contas, não era ela que eu queria fazer memória no meu facebook.

E posso-vos dizer, que enquanto fotografava, nem sabia que ao meu lado estavam tantas pessoas, incluindo a tal senhora.

Ela podia estar ali a olhar para mim a tarde toda, que eu nem ia dar por ela.

Assim é a baixa visão!

A baixa visão é esta aparência de que estamos vendo, mas afinal, o que vemos é um ponto tão minúsculo que o resto à volta, não existe!

Mas este é apenas um tipo de baixa visão, pois outros podem ver pontos negros ao centro, outros vêm imagens desfocadas, outros não conseguem distinguir as cores, etc, e etc...


Por isso, quem têm baixa visão, para conseguir prosseguir a sua vida diária, necessita de uma bengala.

E temos de ter uma bengala que indique a quem nos vê, esta diferença entre ser-se completamente cego e não se ser.

Pois, afinal, se o mundo à nossa volta nos quer ver independentes, não percebo qual é a admiração por nos ver a fazer ainda algumas coisas!

E nem todos que têm baixa visão podem contar sempre uma companhia ao seu lado para os ajudar.

E para além disso, muitos como eu, ainda têm o direito de continuar a sair sozinhos, de um lado para o outro, sem estarem sempre a ser indagados, por usarem uma bengala de "cegos" e ainda verem alguma coisa.

Por isso, a bengala verde é a minha maneira de continuar a ver o que não consigo ver, e os que estão à minha volta devem incentivar as iniciativas de pessoas como eu.


Espero que cada vez mais, muitos mais como eu, percam a vergonha e saiam à rua com a sua bengala verde.

Quem sabe, algum dia, as pessoas ao verem a bengala verde já saibam a diferença entre a cegueira e a baixa visão.

E que a baixa visão não pode nos limitar a vida, nem nos deve obrigar a nos fecharmos em casa.

(Texto de autoria de Rosária Grácio).